sexta-feira, 26 de novembro de 2010

Opinião pública, candidaturas e celebridades

A opinião pública foi considerada durante muito tempo como opinião da sociedade em geral. Com o desenvolvimento de diversos estudos, inclusive de recepção percebeu-se que existem públicos e, portanto, opinião dos públicos.
Diversas perguntas surgem quando o assunto é a opinião dos indivíduos; como se forma a opinião pública? quem é o maior responsável pela formação da opinião dos públicos? A opinião pública influencia no resultado das eleições? Respostas complexas que passam pela interface entre a realidade e a sociedade. O certo é que para se ter uma opinião a respeito de qualquer assunto é preciso que haja um mínimo de informações, algum conhecimento anterior.
O homem contemporaneo sem a possibilidade de comunicar-se face a face criou um instrumento de comunicação, ao qual denominamos mídia. Abriu-se uma janela entre o cotidiano de um determinado homem e a vida de todos os demais. Ou seja, é por meio de jornais, revistas, rádio, televisão e internet que a maior parte das pessoas apreende informações sobre quase tudo. Assim, muitos pesquisadores afirmam que a mídia pode ser considerada como um quarto lugar na vida em sociedade, tamanha a importância que os meios de comunicação atingiram.
Como é sabido, a comunicação midiática, como qualquer outro produto capitalista transformou as notícias em mercadorias. Processo acirrado com o advento da transnacionalização da economia e o atual estágio em que informações, mercadorias e serviços circulam mundialmente, no que se convencionou chamar globalização. Fenômeno que atingiu a mídia e consolidou a máxima de que informações são produtos que precisam ser vendidos. Desde então, para medir o sucesso de um veículo usa-se o critério da audiência. Para alcançar a tal audiência o recurso é atrair as pessoas, muitas vezes através da espetacularização do cotidiano de determinadas pessoas transformadas em celebridades. A dramatização dos fatos é um chamariz para prender a atenção dos públicos. Usa-se e abusa-se da linguagem subliminar que remete ao sexo e à violência para despertar no homem instintos e inibir a razão. Não é à toa que essa admiração por determinadas pessoas, que cria a denominação fã, tenha surgido do fanatismo, que é o abandono da crítica.
Na mídia o espaço para a formação da opinião dos públicos, muitas vezes limita-se às possibilidades de fala, dadas a algumas pessoas, por conta da especificidade do meio de comunicação e por conta da necessidade de audiência. Daí fica simples compreender que a mídia dá voz às celebridades midiáticas. Pessoas que são transformadas momentaneamente em ícones pela própria mídia. Pela admiração que as pessoas nutrem por certas personalidades a sua voz ganha muito na formação da opinião dos públicos.
Basta ser famoso para estar no Domingão do Faustão respondendo a perguntas sobre as mais variadas esferas da vida pós-moderna e influenciando na formação da opinião dos públicos. Formadores da opinião de diversos públicos, as ditas celebridade apropriam-se do espaço midiático destinado a elas para se candidatarem ou apoiarem determinados candidatos.
Exploradas pela mídia e cientes do seu momentaneo poder na formação da opinião dos públicos e da importância da visibilidade para a vitória nas urnas, celebridades tem ganhado cada vez mais cadeiras nas assembléias e câmaras. Elege-se excelentes cantores, péssimos deputados, ótimos atores, corruptos senadores.
Não quero dizer que todas as celebridades candidatas e/ou eleitas não teriam um projeto político, mas que isso é um fenômeno facilmente observado. Nem estamos discutindo contra a democracia. Robert Dahl, em seu livro Sobre a democracia frisa que um dos pressupostos da democracia seria que todos os adultos pudessem ser eleitos e eleger candidatos e concordamos com isso.
Portanto, não podemos exigir que especialistas tomem o poder porque sabe-se que o tempo da ciência é diferente do tempo da tomada das decisões políticas, e que a grande parte da sociedade não é especialista e estaríamos contrariando os pressupostos da democracia, quanto ao direito de eleger e ser eleito. O que se quer demonstrar aqui é o perigo de pessoas que se transformam momentaneamente em formadores da opinião de públicos e usam da visibilidade midiática para obter votos, tudo isso sem ao menos apresentar um projeto político.
Diferentemente da época das assembléias atenienses não se pode reunir todo o público para definir o destino político, econômico e social do país, conforme dissemos, vivemos em um mundo midiatizado e somos apenas representados nas mais importantes decisões que envolvem nossas vidas, pelo simples fato que não podemos nos reunir para decidir tudo pessoalmente. E, por isso, penso que deveríamos refletir um pouco mais sobre isso antes de votarmos em celebridades

Capital, mídia e democracia

O ano eleitoral nos faz refletir sobre política. E nos modos de exercê-la. A possibilidade da escolha livre, direta e igualitária de representantes, entendida como democracia, volta à tona.
Para Robert Dahl em seu livro “Sobre a democracia” são critérios para se dizer que há democracia em determinado país funcionários eleitos (políticos), eleições livres, justas e freqüentes, liberdade de expressão, fontes de informação diversificadas, autonomia para as associações e cidadania inclusiva.
Daí depreende-se que a comunicação livre é pressuposto da democracia. Ou seja, ter acesso à diversidade de informações sobre política, economia, cultura e sociedade é pressuposto para a consolidação da democracia. E aqui fala-se em conteúdo, no aspecto qualitativo da profundidade no tratamento das notícias e não apenas quantitativo.
Como se sabe, a mídia nasceu com a efervescência da Revolução Industrial, nos idos do século XVIII, muito para propagar as ideias burguesas, leia-se liberais e facilitar a comunicação, uma vez que pouco a pouco as vilas iam tornando-se cidades e o trabalho especializado e concentrado nas fábricas dificultava as trocas de informações.
Como veículo capitalista, a mídia é essencialmente comercial. E aqui, não negamos as possibilidades de crítica ao capital de muitos veículos de comunicação. Porém, como em todas as atividades capitalistas busca-se o lucro e com a mídia, não é diferente.
Uma das formas de obtenção de recursos é o financiamento. Então, surge a dúvida. Quem é o maior financiador da mídia? Em Goiás, a resposta é o governo, assim como em boa parte do Brasil. Difícil pensar em liberdade de expressão quando se tem um financiador e esse tem o poder de determinar demissões, atrasar salários e por vezes fechar veículos de comunicação, ao retirar parte da verba destinada a publicidade, alocando em outros meios subservientes.
O problema da falta da liberdade de imprensa pode ser ainda mais complexo, se observarmos que, no Brasil não há financiamento público de campanhas eleitorais. Quem financia os políticos são empresas e empresários e quem financia a imprensa são políticos eleitos e empresas. Quais as reais possibilidades da mídia? Investigar apenas aqueles que momentaneamente não a financiam e fazer vistas grossas quando o assunto envolva seus mantenedores. Isso é liberdade de expressão?
Um caminho para o sonho da liberdade de imprensa é o autofinanciamento da mídia, ou seja, pelo crescimento do número de anúncios vide publicidade (que conforme exposto não é a melhor saída) e o aumento no número de assinantes, vendas de exemplares, audiência e acessos (nos casos da mídia eletrônica, TV e internet).
Natural para o capital é a acumulação, conforme afirmou Karl Marx. As empresas de comunicação buscam saídas, seja em prol de maior liberdade de comunicação, seja para otimizar seus ganhos. Quem são os jornais impressos que mais crescem em vendas no Brasil? Em formato Standard, com linguagem coloquial (ou quase), apelo erótico e com preços que variam entre cinquenta centavos e um real, vendas avulsas (não há possibilidade de assinaturas). Características que revelam a fórmula do sucesso dos jornais “Daqui” em Goiás, “Aqui” no Distrito Federal, em Belo Horizonte, no Maranhão, em Perambuco e “Extra” no Rio de Janeiro e em Alagoas, para citar apenas alguns exemplos. Tais jornais, quase sempre, negligenciando a editoria de política, dão espaço maior a esportes e política, ignorando notícias culturais, com exceção das notícias da TV.
O fenômeno de vendas desses jornais é a solução para o autofinanciamento da mídia como possibilidade para a liberdade de imprensa? Não se sabe. Tais jornais colaboram com a democracia? Pergunta que não cabe respostas apressadas, mas demanda observação do devir e reflexão.
Como escreve Dahl, não há sequer uma democracia consolidada em curso no mundo, nem mesmo os Estados Unidos. A democracia é um processo. E, no Brasil recordemos, o processo político democrático tem pouco mais de 20 anos e como em outros lugares, permanece em construção.

quarta-feira, 20 de outubro de 2010

A violência como plataforma política na era da visibilidade midiática

No ano em que os brasileiros vão às urnas mais uma vez escolher o destino político e social do país, a importância da mídia como local de visibilidade torna-se novamente nos meios acadêmicos tema de debate. Com a globalização e transnacionalização das economias as trocas de informações e serviços se dão em nível mundial e a concorrência está ainda mais acirrada. O modelo de produção que privilegia o consumo também atingiu a mídia, que usa o artifício da espetacularização dos fatos e imagens para vender. O espaço de venda de informações (mídia) centra-se no escândalo, dando visibilidade exacerbada a certos acontecimentos, muitas vezes usando da repetição de alguns discursos para atrair o público.
Como parte desta realidade a política também passou a ser mediada como espetáculo e nesse contexto, como destaca Wilson Gomes em seu livro “Transformações da política na era das comunicações de massa”, a política passou a administrar a visibilidade, as aparências e também os escândalos. Isso pode ser explicado tendo em vista a teoria da Agenda ou Agenda Setting, segundo a qual, determinados elementos sociais visíveis por meio da mídia passam a fazer parte da agenda do público, como possibilidade de pautar o cotidiano comunicacional das pessoas. “Quem é visto, é lembrado” conforme o ditado popular. A mídia tornou-se assim, como argumenta Thompson, no livro “A mídia e a modernidade”, numa espécie de escrutíneo global, local de visibilidade e julgamento das ações e escândalos políticos.
Neste contexto de visibilidade midiática em que a política também usa da espetacularização para conseguir votos, um elemento tem chamado a atenção, em plena campanha eleitoral (pleito de 2010, senadores, deputado federal, estadual, presidente e governador) os candidatos têm tratado da violência e do uso de drogas (crack, principalmente) como algo a ser resolvido com o aumento do efetivo policial e de armamentos.
As sirenes marcam o cenário das propagandas dos políticos que abusam do discurso da insegurança para se elegerem. Criam uma situação de retroalimentação da insegurança, de um lado afirmam seu crescimento e de outro sinalizam a solução militar para o problema. A ideia de guerra está implícita nesse discurso. Como um “temos que nos livrar das pessoas que praticam a violência e dos usuários de drogas com um efetivo policial maior, mais treinado e mais armado”, ora raciocinando me lembra um pouco o que Hitler quis fazer ao prender e exterminar aqueles que não faziam parte da raça pura.
Quem os políticos pretendem prender e por vezes até exterminar, (pois infelizmente os noticiários mostram muitas mães das periferias que choram os filhos desaparecidos quase sempre ligados nas investigações ao tráfico), são pessoas iguais a eu e você, só que para o capital são tratadas como invisíveis, porque não podem consumir como determinadas classes sociais.
Esse discurso pode parecer medíocre e hipócrita, mas esses seres são humanos e não tem oportunidades de enxergar a vida além dos morros, barracos e favelas onde nasceram, foram subalimentados e mal criados.
Acredita-se que o crescimento da violência está associado aos problemas estruturais, tais como desemprego ou subemprego urbano resultado de uma política econômica centrada na financeirização da economia e não na falta de policiais e armas. Os juros básicos (taxa selic) giram em torno de 10,75% denotam o desprezo ao setor produtivo, regra simples da economia para se gerar empregos é necessário um aumento da produção. Porém, não conseguimos perceber nas plataformas dos políticos que usam da espetacularização da violência uma ação dialógica que perpasse suas causas, associados ao que a mídia expõe, os políticos preferem a visibilidade que garanta os votos.

terça-feira, 14 de setembro de 2010

VIOLÊNCIA NA TV, VIOLÊNCIA DA TV: INFLUÊNCIA DAS REPRESENTAÇÕES MIDIÁTICAS NA CONFORMAÇÃO IDENTITÁRIA DA POPULAÇÃO DA FAVELA


Este artigo foi escrito em parceria com a professora Doutora Ana Carolina Pessoa Rocha Temer, uma das maiores autoridades em televisão do Brasil, e com sua orientanda Fran Rodrigues que intégra por concurso público a equipe da TV Brasil Central como repórter, a partir de setembro de 2010, uma brilhante colega. Este texto foi apresentado no Congresso Nacional de Comunicação- Intercom, realizado em Caxias do Sul, em setembro de 2010.

Resumo:

O presente artigo discute como a violência urbana é representada pela mídia numa análise que correlaciona as relações entre cidadania, violência e comunicação. Dados apontam o crescimento das desigualdades sociais e também o aumento da violência entre jovens. Diante desse contexto, busca-se desvelar a intrínseca relação entre as imagens de violência e o cenário das comunidades populares.

Palavras-chave: cidadania, televisão e violência

Introdução
Durante toda a história da República no Brasil e do capitalismo no mundo, a mídia tem um papel importante, que desafia a comunidade científica interessada em entender os fenômenos sociais de um determinado momento. Vivemos em um mundo permeado por sinais e signos, em que a comunicação constrói e transforma imagens e realidades. Desde os estudos Aristotélicos acerca da retórica, sabe-se que a comunicação parte de uma intencionalidade. Não neutra, ela tem como objetivo tocar o outro, influenciá-lo, provocar uma mudança, uma reação. (TEMER e NERY, 2009, p. 21).
Em Becker (2009), vemos que os meios de comunicação de massa são sistemas que têm o poder de influenciar sociedades complexas. Para a autora, a fonte de poder desses instrumentos está na ampla capacidade de audiência em termos de expectadores e espaços. Ela acrescenta que “há, sem dúvida, uma intencionalidade condicionada nos discursos midiáticos. Mas, para desvelar seus efeitos de sentidos, o essencial é descrever as estratégias enunciativas e a interação da recepção”. (BECKER, 2009, p. 92).
Num momento em que cresce o número de assassinatos entre jovens e as estatísticas apontam o aprofundamento das desigualdades sociais, surgem inúmeras reflexões, entre elas, a atuação da mídia na configuração das representações da violência urbana. Presente em toda a extensão da programação televisiva, desde jornais, novelas, programas policiais e mesmo na programação infantil, a violência é uma constante no espaço midiático. A variável ‘sangue’ compõe a fórmula dos 3S, com a qual León (2004) define as tônicas do sucesso jornalístico: sangue, sensacionalismo e sexo.
Este trabalho tem como tema central a conformação de representações da violência por intermédio da mídia, enfatizando, sobretudo, a intrínseca relação entre as imagens da violência e o cenário das comunidades populares. Portanto, a proposta deste artigo é compreender que tipo de enunciados a imagem da violência leva para a sociedade, bem como a relação desse discurso midiático com as representações sociais acerca da criminalidade. Em outras palavras, um diálogo sobre as possibilidades de influência da mídia na esfera pública, na formação de identidades coletivas.

Violência: Atentado ao Direito Universal da Vida
Muito presente na história da humanidade, a violência é, ao mesmo tempo, complexa e ambígua. Desde o início da história, o homem assiste e/ou é protagonista de cenas de violência. Num primeiro momento, pelas interações face a face, e a partir do final do século XVIII, com o advento da Revolução Industrial e o surgimento das cidades, a imprensa passa a mediar a relação entre imagens e/ou fatos ligados à violência. Mas afinal, o que é violência?
Não é simples a tarefa de definir a violência. Diversos conceitos têm sido propostos para falar de muitas práticas, hábitos e disciplinas, de tal modo que todo comportamento social poderia ser visto como violento, inclusive o baseado nas práticas educativas, tais como na ideia de violência simbólica proposta por Bourdieu (2001).
Abramovay (2006, p. 15) trata que “a violência é ressignificada segundo tempos, lugares, relações e percepções e não se dá somente em atos e práticas materiais”. Nem sempre a violência se fundamenta em crimes e delitos. Ela permeia nosso cotidiano, nossas mentes e almas na forma de um sentimento de insegurança.
Conceitualmente, o termo violência vem do latim violentia, que remete a vis (força, vigor, emprego de força física, ou recurso do corpo para exercer sua força vital), essa força torna-se violência quando ultrapassa um limite ou perturba acordos tácitos e regras que ordenam relações, adquirindo assim, carga negativa, ou maléfica. Portanto, “é a percepção do limite e da perturbação (e do sofrimento causado), que vai caracterizar um ato como violento, percepção que varia cultural e historicamente” (Zaluar, 2004, p. 228-229). Chauí (2007) problematiza:
Na verdade, o dicionário resume, sem comentários, a história dos numerosos sentidos que a palavra violência teve e tem na cultura ocidental, desde a antiguidade. Esses múltiplos sentidos poderiam ser resumidos na ideia de que a violência é um ato brutal e antinatural de transgressão e violação da natureza, do direito, da justiça, das leis, dos costumes, do sagrado, das mulheres e dos mais fracos. Quando a relação entre dois ou mais seres se realiza através da força física, psíquica ou moral, dizemos que há violência, identificando-a com a coerção, a coação ou a repressão. Isto, no entanto, é apenas o início das dificuldades, pois diferentes culturas definem de diferentes maneiras a margem que separa o natural e o ilegítimo. Há pluralidade de medidas e critérios para avaliar a própria identificação da violência com a força (p. 120).

Neste sentido, trataremos principalmente da violência como um atentado ao direito à vida, ou seja, agressões ao corpo humano, procurando verificar que tratamento essa violência recebe na mídia, assim como a influência desse arcabouço discursivo na estruturação da sociedade brasileira, ou seja, as implicações simbólicas da representação midiática acerca da violência física.

Comunicação e Violência, uma relação de Mercado
A comunicação é a ação de tornar comum uma ideia, ou ainda, uma ação que não se realiza sobre a matéria, mas sobre o outro (TEMER, 2005, p. 276). Para Sodré (2006) a palavra comunicação recobre três campos semânticos, a veiculação, a vinculação e a cognição. A veiculação no sentido de conferir visibilidade, ou mesmo existência no bios midiático; a vinculação refere-se ao fato de que as informações veiculadas por certo meio de comunicação estão ligadas a determinadas ideias, refletidas na linha editorial, ao sistema organizacional e à determinada sociedade. Já a cognição é o modo como emissor e receptor apreendem uma informação.
Conforme assinala Thompson (2001), as relações entre os indivíduos são alteradas pela informação e conteúdo simbólico trazidos pela mídia. Criam-se novas formas de ação e interação no mundo social, novos tipos de relações sociais e do indivíduo com o outro e consigo. Woodward (2000) corrobora a visão de que os significados produzidos pelas representações da mídia intermediam as interpretações que as pessoas constroem acerca de suas experiências:
Os discursos e os sistemas de representação constroem os lugares a partir dos quais os indivíduos podem se posicionar e a partir dos quais podem falar. Por exemplo, a narrativa das telenovelas e a semiótica da publicidade ajudam a construir certas identidades (p. 18).

A linguagem cria, mais do que reflete a realidade, principalmente por meio da mídia. Ela requalifica a vida social a partir do discurso, em função da tecnologia e do mercado (Sodré, 2003). Fala-se em mundialização mas, na verdade a globalização mostra-se claramente regional, já que os investimentos se concentram em determinadas regiões do mundo. Velocidade e flexibilização são conceitos-chave com a autonomização dos processos financeiros a reboque das grandes empresas.
Neste contexto, nada é radicalmente novo, mas atualizado. O individualismo ativo é substituído pelo passivo, com consenso gerencial, desejo de informação, status e vontade de consumo. A ciência e a tecnologia impõem-se como as últimas grandes utopias do capital. Evolucionismo para um destino global. Financeirização veloz e instável da riqueza que desteritorializa os espaços e mercados nacionais em favor de espaços e mercados mundiais sob o controle de empresas multinacionais.
A hibridização mídia-consumo evidencia-se na forma como o entretenimento avança sobre os demais gêneros de comunicação. É nesse contexto de espetáculo para consumo, que vemos as indústrias culturais transformadas em conglomerados constituídos pela fusão entre negócios, entretenimento e informação, nessa ordem de importância.Tais mudanças na economia resultaram na desregulamentação do capital em todas as áreas, inclusive na comunicação. A concentração e diversificação das indústrias da mídia levaram em última instância à formação de conglomerados de comunicação que possuem grandes interesses numa variedade de indústrias ligadas à informação e a comunicação.
O objetivo do capital é sua reprodução. Nesse aspecto o que garante o lucro quando se fala de comunicação é audiência. Então, a disputa por lucro retira da informação e da comunicação seu potencial de transformação da sociedade. O resumo de quase todos os fatos da vida social em espetáculo tem um porque, chamado audiência, convertida em lucro, que alimenta os grandes monopólios de comunicação. Nas palavras de León (2004), uma relação de consumo:
Sob estes novos parâmetros, a busca da verdade, tão apregoada pela imprensa do Ocidente, vai se transformando em boa intenção que se
dilui diante dos imperativos do mercado, em cujo horizonte não contam cidadãos e cidadãs, mas consumidores e consumidoras. E,
para chegar até eles, a prioridade é conseguir criar produtos padronizados para todos os públicos , a despeito de seus extratos sociais, países ou culturas (p. 407).

Conforme assinala Harvey (2003), Karl Marx observou que a competição capitalista tende sempre ao monopólio. Portanto, não é coincidência a formação dos grandes conglomerados de informação e comunicação. Assim, a mídia toma como parâmetro a produtividade, competitividade, lucratividade e racionalidade Gerencial. Deixa de ser central a informação que contribui para a consolidação da cidadania, se esta não pode gerar dividendos.
É neste contexto que a representação da violência pela mídia ganha cada vez mais espaço, na busca incessante por audiência. A todos estes aspectos do capital, pode-se aduzir ademais os aspectos da comunicação do grotesco, fortemente presentes na cultura nacional. Conforme assinala Sodré (1985):
O ethos da cultura de massa brasileira, tão perto quanto ainda se acha da cultura oral, é fortemente marcado pelas influências escatológicas da tradição popular. O fascínio pelo extraordinário, pela aberração, é evidente nos programas de variedades (...). O grotesco parece ser, até o momento, a categoria estética mais apropriada para a apreensão desse ethos escatológico da cultura de massa nacional. Realmente, o fabuloso, o aberrante, o macabro, o demente - enfim, tudo que à primeira vista se localiza numa ordem inacessível à “normalidade” humana- encaixam-se na estrutura do grotesco (p. 38).

Como construtores privilegiados de representações sociais na contemporaneidade, os meios de comunicação atuam produzindo também representações sobre o crime, a violência e sobre aquelas pessoas envolvidas em suas práticas e coibições. Numa relação, muitas vezes, cinematográfica, entre bandidos e mocinhos. Representações que, constituem-se sob a briga pela audiências, como destaca (Medeiros, 2009, p. 01)
Se a mídia é, atualmente, um fenômeno onipresente no imaginário social, não o seria tanto se não cultivasse a violência como um dos principais ingredientes de sedução e atração. Como se nota, os tradicionais campeões de audiência são justamente os filmes, seriados, novelas e telejornais repletos de explosões, tiros, agressões físicas e verbais, perseguições policiais, enfim, muito sangue, velocidade e ação.
Algumas pesquisas demonstram significativas e positivas mudanças em relação à cobertura jornalística em torno de temas como criminalidade e segurança pública no Brasil, a exemplo das conclusões apresentadas por Ramos e Paiva (2007):
Nos levantamentos, a impressão de que os jornais vêm abandonando os recursos mais ostensivos de apelação e sensacionalismo se confirmou: na pesquisa nacional, em apenas 0,4% dos textos analisados, a matéria sugeria que a restrição dos direitos de criminosos seria uma saída para o problema da violência (...) E apenas 0,3% dos textos sugeriu a possibilidade de que se fizesse justiça com as próprias mãos, sem criticar essa postura (p. 18).

Contudo, no âmbito da produção televisa, a abordagem permanece apelativa, sensacionalista e potencializada pelo poder da imagem, que, em conformidade com o fetiche contemporâneo pelo espetáculo, delineia a chamada Sociedade da Informação, bem como seus fluxos e ritmos de produção.

Poder da Imagem na Sociedade do Espetáculo
As construções estéticas da representação da violência urbana são ancoradas, muitas vezes, na dinamicidade da linguagem audiovisual, que interpelam o receptor pela intensidade e caráter imediato, comungando de uma estética que, longe de optar por uma descrição objetiva e fiel da dinâmica da violência em sua(s) manifestação(s) na realidade social, apresenta-se como um lugar privilegiado de construção de valores, identidades, mediações e sentidos (Bonilla, 1995, p. 58).
A imagem televisiva é formada por três milhões de pontos luminosos por segundo, mas o espectador só pode perceber algumas centenas deles. Para Ramonet (2001) a velocidade dessas imagens é o que mais seduz os espectadores. “Elas fixam o olhar, pelo seu ritmo ofegante e pelo piscar da luz (...) Esta velocidade constitui, portanto, um meio de tornar cativo o olhar e de provocar um efeito de hipnose (p. 55).
Estamos diariamente submetidos a uma pressão visual. Na contemporaneidade, informação e cultura têm um tratamento predominantemente imagético, realçando valores como a instantaneidade e o efêmero. Nossa memória, da mesma forma, torna-se volátil e fragmentada, sedenta por novidades breves e brilhantes, envoltas no papel celofane da televisão, o espelho que reflete realidades recriadas a partir de um sistema próprio de regras, do qual partilham emissores e receptores.
Para Casetti e Chio (1999, p. 263, apud BECKER, 2009, p. 96), a televisão “possui uma linguagem propriamente dita, que recria a realidade a partir de critérios funcionais associados às características técnicas e lingüísticas do aparato, à intencionalidade comunicativa do emissor e ao contexto cultural”.
A TV nos oferece uma produção contínua de visibilidade e de imagens, que funcionam para o sujeito como oferta incessante de objetos para o desejo, e até uma suposição de conhecimento sobre esse desejo. Essa suposta onisciência do ‘outro’ nos dispensa o trabalho do pensamento acerca de nossos embates com o real, da penosa tarefa de simbolizar, esse trabalho psíquico que nos constitui como sujeitos do desejo. Ficamos perigosamente ancorados no eu imaginário e submetidos à violência própria das formações imaginárias.
Os dispositivos tecnológicos de imagem constituem nosso imaginário, nos oferecem parâmetros estéticos, reorganizam a experiência no mundo, a emoção e a sensibilidade. Funcionam como próteses dos nossos sentidos, agora artificialmente modelados e desligados do ‘outro’. Nas sociedades de massa, a televisão faz-se o ‘outro’ ao qual referem-se Bucci e Kelh (2004). Significação e imagem se confundem, então. A televisão substitui o trabalho do imaginário e do significante, fazendo com que o contato com o outro não passe pela reflexão, por sua simbolização. Dessa forma, todo contato há de se realizar de modo ameaçador e violento.
Ainda segundo os autores, o fluxo de imagem paralisa momentaneamente o pensamento, incita a irreflexão, o que condiz com a noção de espetáculo encontrada em Kellner (2006), que o define como um conjunto de mecanismos orientados para a persuasão ideológica e econômica embasada no lazer e no entretenimento irrefletido que visam à alienação e passividade do público.
Receptivo às imagens o público estaria também aberto ao recebimento dos enunciados a elas vinculados. Deste modo, segundo Kehl (2004, p. 13), “o gozo e a satisfação se tornaram imperativos sociais e morais". A Televisão se formata também como meio de produção de sentido que prescinde o pensamento, um espelho no qual, em alguma medida, julgamos ver refletida nossa imagem e a do mundo que nos cerca.
Kellner (2006) ressalta, contudo, que a cultura da mídia não é determinante sobre o indivíduo, até mesmo porque isso seria ignorar as capacidades cognitivas, os filtros interpretativos que os indivíduos adquirem ou mesmo as outras influências que recebem ao longo da vida.
De acordo com Thompson, a valorização do papel da televisão na socialização tem gerado entendimentos equivocados, sobre os quais esclarece:
Dizer que a apropriação das mensagens da mídia se tornou um meio de autoformação no mundo moderno não é dizer que é o único meio: claramente não é. Há muitas outras formas de interação social, como a existentes entre pais e filhos, entre professores e alunos, entre pares, que continuarão a desempenhar um papel fundamental na formação pessoal e social. Os primeiros processos de socialização na família e na escola são, de muitas maneiras, decisivos para subseqüente desenvolvimento do indivíduo e de sua autoconsciência (Thompson, 2007, p. 46).

Conforme Kellner (2001), ao passo em que a mídia tenta angariar, junto a seu público, adeptos dos modelos hegemônicos (de consumo, de pensamento, de comportamento, etc), “o público pode resistir aos significados e mensagens dominantes, criar sua própria leitura e seu próprio modo de apropriar-se” (p.11).
Para Ronsini (2000), “Resistência e passividade andam de mãos dadas” (p. 65). O entendimento de que é possível haver “resistência” às mensagens midiáticas está relacionado com o conceito de hegemonia de Antonio Gramsci, adotado pelos estudos culturais – aos quais os estudos de recepção se integram – e fundamentais para seu desenvolvimento.
A hegemonia nos permite pensar a dominação como um processo entre sujeitos onde o dominador intenta não esmagar, mas seduzir o dominado, e o dominado entra no jogo porque parte dos seus próprios interesses [...].Essa dominação tem que ser refeita continuamente, tanto pelo lado do dominador como pelo do dominado (Barbero, 2001, p. 99).

A sociedade assiste a um duplo espetáculo da mídia e do Estado que dramatizam a criminalidade e excitam a demanda por um endurecimento penal, desviando a atenção, com o espetáculo da violência, dos problemas estruturais dos quais derivam a criminalidade, tais como a distribuição desigual da riqueza, a marginalização e a exclusão social que são criadas pelas opções políticas e econômicas advindas da escolha de um modelo econômico, o neoliberal (Bentes, 1994, p. 45). Arendt vai mais longe. Para a autora:
A agressão que emerge a partir dos atos violentos sinaliza a necessidade de um mundo que promova a eqüidade de condições, o que implica em relações de poder. A relação entre poder e violência não é de similaridade, mas de oposição, uma vez que onde um domina absolutamente, o outro está ausente. A violência aparece onde o poder está em risco, mas, deixada ao seu próprio curso, ela conduz à desaparição do poder. Isto implica ser incorreto pensar o oposto da violência como a não-violência; falar de um poder não-violento é de fato redundante. A violência pode destruir o poder; ela é absolutamente incapaz de criá-lo (ARENDT, 2001, p. 44).

Trata-se, então, de uma lógica circular: a sociedade termina refém das estratégias adotadas pela mídia para a exploração do sentimento de insegurança pública. Entende-se, portanto, que, toda esta problemática associada à representação midiática da violência constitui um episódio de luta de ordem política para persuadir a maioria social de algo que ela não parece estar de todo convencida. Cabe ressaltar, porém, que não se quer condenar os receptores que preferem o grotesco, ou a comunicação da violência. Como afirma Eco (2005, p. 58):
A diferença de nível entre os vários produtos não constitui a priori uma diferença de valor, mas uma diferença da relação fruitiva, na qual cada um de nós alternadamente se coloca. (...) Cada um de nós pode ser um e outro, em diferentes momentos de um mesmo dia, num caso, buscando uma excitação de tipo altamente especializada, no outro, uma forma de entretenimento capaz de veicular uma categoria de valores específica.

Comunicação da violência para a cidadania?
Entende-se cidadania como a forma de participação de um indivíduo na sociedade. Conceito que para Carvalho (2002) seria pleno desde que o indivíduo tivesse acesso aos direitos civis, políticos e sociais. Entre as garantias, encontramos nos direitos civis o direito à propriedade privada, nos direitos políticos o poder de escolher representantes, e entre os direitos sociais fatores como acesso à educação, saúde e empregos formais (com carteira assinada).
Consoante a isso, em Mattelart (1999), vemos uma pertinente crítica ao termo “Sociedade da Informação”, comumente utilizado para designar a emergência dos fluxos contemporâneos de informações:
A sociedade da informação só pode existir sob a condição de troca sem barreiras. Ela é por definição incompatível com o embargo ou com a prática do segredo, com as desigualdades de acesso à informação e sua transformação em mercadoria (p. 66).

Segundo dados atuais do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), aproximadamente 10% da população têm como renda familiar algo em torno de oito mil reais por mês. Os 90% restantes foram assim divididos: 50% das famílias ganham até mil e oitocentos reais por mês e 40% da população ganha entre mil e oitocentos e oito mil reais por mês. São dados que revelam a forte concentração de renda no país e também profundas desigualdades sociais. Nesse quadro, a busca por direitos à educação, saúde, trabalho e propriedade ainda deveriam ser fundamentais.
A isso somamos a pesquisa da Unesco, veiculada pelo jornal Estado de São Paulo em março de 2010, que revelou Goiânia entre as dez cidades mais desiguais do mundo, ficando atrás apenas das cidades da África do Sul. E é no Brasil a cidade onde se verifica maior desigualdade social. A frota de carros mais novos do Brasil e talvez entre as mais caras convive com um dos piores serviços de transporte público.
O relatório baseia suas conclusões no coeficiente Gini - cujos indicadores medem a concentração de renda de um país. Na avaliação do coordenador do relatório e diretor do Centro de Estudos e Monitoramentos das Cidades do Programa da Onu para os Assentamentos Humanos (Onu-Habitat), o mexicano Eduardo Lopez Moreno, existe vínculo direto entre desigualdade e criminalidade. Mais do que custos sociais, o abismo entre ricos e pobres também provoca prejuízos econômicos. "Estatisticamente, existe sim um vínculo. É muito possível que a cidade mais desigual gere muito mais facilmente distúrbios e problemas sociais. As autoridades desses países vão deslocar recursos que deveriam ir para investimentos para conter esses movimentos sociais. O custo social acaba se traduzindo em custo econômico", afirmou Moreno (ESTADÃO, 2010, p. 01).

Diante deste quadro, entende-se que a violência é também fruto da não consolidação da cidadania, ou seja, da falta de oportunidades, ou da desigual chance de acesso dos jovens à educação formal e até mesmo uma consulta médica ou a um emprego formal. Ou seja, a busca pela cidadania seria, então, um objetivo real dos indivíduos de uma nação e esta se manifestaria nos inúmeros movimentos sociais e perpassaria a mídia, enquanto interface entre uma realidade específica e toda a sociedade.
No contexto apresentado, estudos sobre a recepção das informações da violência por jovens em conflito com a lei se tornam essenciais diante do inegável crescimento da criminalidade no Brasil. Muitas dessas estatísticas do conflito com a lei têm como protagonistas menores, seja como vítimas, seja como agentes. A necessidade existe, sobretudo, quando a espetacularização da violência, ao invés de despertar uma crítica, provoca a banalização e o crescimento do germe de um conformismo desencantado.
De um modo geral, pode-se dizer que o aumento da violência foi acompanhado, nesta década, não somente pela ênfase na cobertura de seus episódios, mas também por um intenso debate sobre o excesso da tematização da violência. No centro deste debate de mobilização nacional sobre o tema, estão as interpretações das cenas de uma violência real e cotidiana transmitidas pela mídia.
A partir dessa transmissão e interpretação sem precedentes da violência urbana, podemos questionar que tipo de ideologias estão presentes no discurso midiático acerca da violência e, ainda, como isso influencia a formação das identidades dos sujeitos envolvidos. Percebemos, nesse sentido, três importantes categorias de análise: Os sujeitos que cometem a violência, os que a ela estão (ou se sentem) vulneráveis e, ainda, como importa salientar neste artigo, os indivíduos que estão no centro dessa tensão social, ou seja, aqueles que convivem diretamente com o estereótipo da violência oriundo da cobertura midiática.
O estereótipo da violência
Freire Filho (2005) define estereótipos como “construções simbólicas enviesadas, infensas à ponderação racional e resistentes à mudança social” (p. 47). Atuam como formas de imposição de sentido e ordem ao mundo social, impedindo a flexibilidade de pensamento em prol da reprodução estática das relações de poder e exploração. O autor acrescenta que ao disseminar essas representações inadequadas, os meios de comunicação constituem um problema para o processo democrático.
Ramos e Paiva (2007) afirmam que “o noticiário sobre crimes é um dos poucos espaços nos jornais que registram o cotidiano das áreas pobres, onde os índices de homicídio são muito mais altos que os de bairros nobres” (p. 82). Nessa mesma pesquisa, as autoras relatam que a maioria dos profissionais de comunicação admite a responsabilidade de seus veículos na caracterização dos territórios populares como espaços exclusivos de violência. No contexto jornalístico, raramente as comunidades populares são desvinculadas de assuntos como tráfico de drogas, criminalidade e violência.
Justificam as deficiências da cobertura sob a alegação de que existe uma recepção negativa por parte das comunidades pobres. Mediante esse impasse, Ramos e Paiva (idem) questionam: “será que os repórteres estão limitando a sua presença nas favelas ao acompanhamento de ações policiais por causa da hostilidade da população ou passaram a encontrar uma recepção hostil por só acompanharem as ações policiais?”
Ao retratar favelas e periferias apenas como cenários da violência, os meios de comunicação contribuem para a disseminação de um estereótipo que criminaliza a pobreza e interfere na conformação social das representações identidárias dos indivíduos que vivenciam o cotidiano das favelas e periferias.
Como argumenta Thompson (2001), com o advento da globalização e a transnacionalização das economias com trocas de informações e mercadorias em nível global, a comunicação passa a interferir de maneira mais forte na cognição, ou seja, na maneira como os seres humanos percebem o mundo. A mídia torna-se num quarto lugar de vida, o bios midiático diante da tecnocultura, como expõe Sodré. O que tanto Sodré (2006) como Thompson (2001) apontam é que a mídia, interface entre uma realidade específica e a sociedade, atua produzindo a percepção da realidade que o receptor forma do mundo.
No julgamento coletivo e, por vezes, mesmo na esfera privada, a figura do chamado ‘favelado’ ou ‘suburbano’ é associada às dinâmicas do crime e da violência, como se fizessem parte do cotidiano de todos que se enquadram nessa categoria. Da mesma forma, as comunidades pobres, retratadas monotematicamente como espaços de criminalidade e barbárie, ficam condicionadas ao estereótipo de ambiente escuso e perigoso, imagem muito aquém da pluralidade de experiências que os moradores, também plurais, vivenciam nessas comunidades.
Acerca da inter-relação entre forças de controle social e a mídia, Freire Filho (2205) reflete:
Os meios de comunicação de massa são a grande fonte de difusão e legitimação dos rótulos, colaborando decisivamente, deste modo, para a disseminação de pânicos morais (...) A criação do pânico moral fornece oportunidade preciosa para os partidários de um universo simbólico moral forjarem um universo moral antagônico, atacá-lo, e redefinirem, a partir daí, as fronteiras entre o moralmente desejável e indesejável (p. 24).

É importante pontuar que, mediante as reivindicações de organizações populares por uma representação mais próxima da realidade das favelas e periferias, as mídias tradicionais perceberam nessas um importante nicho que vem sendo fortemente trabalhado. Hamburger (2007) relata que “a partir dos anos 90, diversas realizações televisivas e cinematográficas desencadearam uma sucessão de proposições que reelaboraram o lugar das periferias e favelas no universo virtual do que é visível, locus privilegiado da sociedade contemporânea”.
Na programação da última década da Rede Globo, maior emissora comercial da televisão brasileira, são encontrados vários exemplos, entre séries e quadros: Cidades dos Homens, Minha Periferia, Antônia, Central de Periferia, Brasil Legal etc. Nesses produtos midiáticos, revela-se uma nova figura e um novo ambiente: o indivíduo pobre e honesto, desvinculado do crime; uma comunidade onde, em que pese a existência dos dilemas com a violência, também é partícipe da arte, do lúdico, do riso e de outras esferas comuns à vida. O que se torna curioso, contudo, é a distância com que esse tipo de programa e os telejornais representam o mesmo ambiente e sujeitos sociais.
Em que pese a existência dos filmes, programas e séries que iniciam uma representação positiva da periferia e seus moradores, no âmbito jornalístico permanece exclusivamente como o retrato do crime, do mal e da necessidade do acirramento de medidas punitivas.
Considerações finais
Na atualidade, a mídia torna-se elemento constitutivo da identidade do receptor, processo que influencia a cultura de diversos povos e, como nos importa nesse artigo, até mesmo na percepção que o indivíduo constrói sobre si mesmo. Como é uma interface entre a sociedade e os acontecimentos, elementos e processos sociais, é também responsável pela cidadania, ou seja, pelo relacionamento dos cidadãos com o Estado. Devido à influência da mídia nos processos sociais, seria natural percebê-la como esfera pública, espaço fundamental para a discussão dos temas da sociedade civil referentes à consolidação da cidadania no Brasil.
Como já destacava Habermas (2003) o desenvolvimento da mídia é parte integral da formação das sociedades modernas. Segundo o autor, a circulação de matérias impressas, nos primórdios da Europa Moderna, teve um papel crucial na transição do absolutismo para os regimes liberais e democráticos, e a articulação da opinião pública, por meio da mídia, foi de vital importância para a vida democrática. No entanto, com a apropriação capitalista dos meios de comunicação, os objetivos comerciais impediram o debate crítico-racional na mídia, como espaço para a esfera pública.
Passa-se do interesse público ao interesse comercial, à busca pelo lucro, ou, mais indiretamente, na defesa dos valores morais e sociais que condizem com as camadas economicamente privilegiadas, em detrimento de uma população que, sob esse prisma, pode ser mal representada e arbitrariamente associada a qualquer tipo de demérito.
A mídia presta um desserviço à sociedade quando criminaliza o cidadão de bem em função de sua origem social, influenciando negativamente na imagem que a sociedade produz acerca do indivíduo pobre e sua localidade. Não cumpre sua função primeira de provocar a mudança e o desenvolvimento quando, ao invés de denunciar os problemas estruturais, tais como o desemprego ou subemprego urbano, contribui para a manutenção do status quo sugerindo que a insegurança deve ser combatida com uma ação mais violenta de uma polícia cada vez mais armada. Sabe-se que a violência é fruto, também, de uma forte desigualdade social, que precisa ser combatida com reformas sociais de inclusão do indivíduo como cidadão , reformas essas, concebidas em longo prazo e quiçá a mudança do vigente sistema econômico de exclusão.

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quinta-feira, 27 de maio de 2010

Violência, Comunicação e Cidadania

Violência, Comunicação e Cidadania

Núbia da Cunha SIMÃO
Magno MEDEIROS - Orientador
Universidade Federal de Goiás, Goiânia, GO


Resumo

O presente artigo discute como a violência urbana é representada pela mídia numa análise que correlaciona as relações entre cidadania, violência e comunicação. Dados apontam o crescimento das desigualdades sociais e também o aumento da violência entre jovens em Goiânia. Diante desse contexto, alguns setores da mídia apontam como principal causa para a violência o uso de drogas entre adolescentes, ignorando aspectos econômicos e sociais.

Palavras-chave: comunicação; violência; cidadania.

Introdução

A mídia tem durante toda a história da República no Brasil e do capitalismo no mundo um papel importante, que desafia a toda comunidade científica interessada em entender algum fenômeno social de um determinado momento.
Vivemos em um mundo permeado por sinais e signos, em que a comunicação constrói e transforma imagens e realidades. Num momento em que cresce o número de assassinatos entre jovens e números apontam o aprofundamento das desigualdades sociais surgem inúmeras reflexões, entre elas, qual é o papel da mídia na conformação das representações da violência urbana.
A influência da mídia na construção da cidadania no Brasil, no século XXI, por meio da conformação de representações da violência é o objeto de estudo deste artigo. Dito em outras palavras, nosso trabalho se propõe a um diálogo sobre as possibilidades de influência da mídia na esfera pública, enquanto colaboradora de identidades coletivas.

Violência - Atentado ao Direito Universal da Vida

Pesquisar sobre a violência é, sem dúvida, contar sobre algo tão presente na história da humanidade e ao mesmo tempo tão complexo e ambíguo. Desde o início da história, o homem assiste e/ou é protagonista de cenas de violência. Num primeiro momento, as interações face a face e a partir do final do século XVIII, com o advento da Revolução Industrial e o surgimento das cidades, a imprensa passa a mediar à relação entre imagens e/ou fatos ligados à violência. Mas afinal, o que é violência?
Não é simples a tarefa de definir a violência. Diversos conceitos têm sido propostos para falar de muitas práticas, hábitos e disciplinas, de tal modo que todo comportamento social poderia ser visto como violento, inclusive o baseado nas práticas educativas, tais como na ideia de violência simbólica proposta por Bourdieu (2001). Isso porquê, nem sempre a violência se fundamenta em crimes e delitos, mas ela permeia nosso cotidiano, nossas mentes e almas na forma de um sentimento de insegurança. “A violência é ressignificada segundo tempos, lugares, relações e percepções e não se dá somente em atos e práticas materiais” (Abramovay, 2006, p.15).
Conceitualmente, o termo violência vem do latim violentia, que remete a vis (força, vigor, emprego de força física, ou recurso do corpo para exercer sua força vital), essa força torna-se violência quando ultrapassa um limite ou perturba acordos tácitos e regras que ordenam relações, adquirindo assim, carga negativa, ou maléfica. Portanto, “é a percepção do limite e da perturbação (e do sofrimento causado), que vai caracterizar um ato como violento, percepção que varia cultural e historicamente” (Zaluar, 2004, p. 228-229). O que Chauí (2007, p. 120) problematiza:
Na verdade, o dicionário resume, sem comentários, a história dos numerosos sentidos que a palavra violência teve e tem na cultura ocidental, desde a antiguidade. Esses múltiplos sentidos poderiam ser resumidos na ideia de que a violência é um ato brutal e antinatural de transgressão e violação da natureza, do direito, da justiça, das leis, dos costumes, do sagrado, das mulheres e dos mais fracos. Quando a relação entre dois ou mais seres se realiza através da força física, psíquica ou moral, dizemos que há violência, identificando-a com a coerção, a coação ou a repressão. Isto, no entanto, é apenas o início das dificuldades, pois diferentes culturas definem de diferentes maneiras a margem que separa o natural e o ilegítimo. Há pluralidade de medidas e critérios para avaliar a própria identificação da violência com a força.

Neste sentido, trataremos apenas da violência como um atentado ao direito à vida, ou seja, agressões ao corpo humano, procurando verificar como essa violência é representada pela mídia, assim como a influência de tal representação na consolidação da cidadania no Brasil.

Violência e Comunicação

A comunicação é a ação de tornar comum uma ideia, ou ainda, uma ação que não se realiza sobre a matéria, mas sobre o outro (Temer, 2005, p. 276). Para Sodré (2006) a palavra comunicação recobre três campos semânticos, a veiculação, a vinculação e a cognição. A vinculação refere-se ao fato de que as informações veiculadas por certo meio de comunicação estão ligadas a determinadas ideias, refletidas na linha editorial, ao sistema organizacional e à determinada sociedade. Já a cognição é o modo como emissor e receptor apreendem uma informação.
Como argumenta Thompson (2001) com o advento da globalização e a transnacionalização das economias com trocas de informações e mercadorias em nível global, a comunicação passa a interferir de maneira mais forte na cognição, ou seja, na maneira como os seres humanos percebem o mundo. A mídia torna-se num quarto lugar de vida, o bios midiático diante da tecnocultura, como expõe Sodré. O que tanto Sodré (2006) como Thompson (2001) apontam é que a mídia, interface entre uma realidade específica e a sociedade, atua produzindo a percepção da realidade que o receptor forma do mundo.
Desta forma, no contexto da sociedade pós-industrial, as relações entre os indivíduos são alteradas pela informação e conteúdo simbólico trazidos pela mídia. Criam-se novas formas de ação e interação no mundo social, novos tipos de relações sociais e do indivíduo com os outros e consigo mesmo (Thompson, 2001).
Na atualidade a mídia torna-se o elemento constitutivo da identidade do receptor, processo que influencia na formação da cultura de diversos povos e como é uma interface entre a sociedade e os acontecimentos, elementos e processos sociais, é também responsável pela cidadania, ou seja, pelo relacionamento dos cidadãos com o Estado. Devido à influência da mídia nos processos sociais, seria natural percebê-la como esfera pública, espaço fundamental para a discussão dos temas da sociedade civil referentes à consolidação da cidadania no Brasil.
Como já destacava Habermas (2003) o desenvolvimento da mídia é parte integral da formação das sociedades modernas. Segundo o autor, a circulação de matérias impressas, nos primórdios da Europa Moderna, teve um papel crucial na transição do absolutismo para os regimes liberais e democráticos, e a articulação da opinião pública, por meio da mídia, foi de vital importância para a vida democrática. No entanto, com a apropriação capitalista dos meios de comunicação os objetivos comerciais impediram o debate crítico-racional na mídia, como espaço para a esfera pública. Passa-se do interesse público ao interesse comercial à busca pelo lucro.
Como construtores privilegiados de representações sociais na contemporaneidade, os meios de comunicação atuam produzindo também representações sobre o crime, a violência e sobre aquelas pessoas envolvidas em suas práticas e coibições. Numa relação, muitas vezes, cinematográfica, entre bandidos e mocinhos. Representações que, constituem-se sob a briga pela audiências, como destaca (MEDEIROS, 2009, p. 01)
Se a mídia é, atualmente, um fenômeno onipresente no imaginário social, não o seria tanto se não cultivasse a violência como um dos principais ingredientes de sedução e atração. Como se nota, os tradicionais campeões de audiência são justamente os filmes, seriados, novelas e telejornais repletos de explosões, tiros, agressões físicas e verbais, perseguições policiais, enfim, muito sangue, velocidade e ação.

Assim, as construções estéticas da representação da violência urbana são ancoradas, muitas vezes, na dinamicidade da linguagem audiovisual, que interpelam o receptor pela intensidade, imediatez e comunga de uma estética, que longe de optar por uma descrição objetiva e fiel da dinâmica da violência em sua(s) manifestação(s) na realidade social, apresenta-se como um lugar privilegiado de construção de valores, identidades, mediações e sentidos (Bonilla, 1995, p. 58).
A sociedade assiste a um duplo espetáculo da mídia e do Estado que dramatizam a criminalidade e excitam a demanda por um endurecimento penal, desviando a atenção, com o espetáculo da violência, dos problemas estruturais dos quais derivam a criminalidade, tais como a distribuição desigual da riqueza, a marginalização e a exclusão social que são criadas pelas opções econômico-políticas advindas da escolha de um modelo econômico, o neoliberal (Bentes, 1994, p. 45). Arendt vai mais longe, para a autora:
(...) a agressão que emerge a partir dos atos violentos sinaliza a necessidade de um mundo que promova a eqüidade de condições, o que implica em relações de poder. A relação entre poder e violência não é de similaridade, mas de oposição, uma vez que onde um domina absolutamente, o outro está ausente. A violência aparece onde o poder está em risco, mas, deixada a seu próprio curso, ela conduz à desaparição do poder. Isto implica ser incorreto pensar o oposto da violência como a não-violência; falar de um poder não-violento é de fato redundante. A violência pode destruir o poder; ela é absolutamente incapaz de criá-lo (ARENDT, 2001, p. 44).

Trata-se, então de uma lógica circular: a sociedade termina refém das estratégias adotadas pela mídia para a exploração do sentimento de insegurança pública. Entende-se, portanto, que, toda esta problemática associada à representação midiática da violência constitui um episódio de luta de ordem política para persuadir a maioria social de algo que ela não parece estar de todo convencida.

Comunicação da violência para a cidadania?

Entende-se cidadania como a forma de participação de um indivíduo na sociedade. Conceito que para Carvalho (2001) seria pleno desde que o indivíduo tivesse acesso aos direitos civis, políticos e sociais. Entre as garantias, encontramos nos direitos civis o direito á propriedade privada, nos direitos políticos o poder de escolher representantes, e entre os direitos sociais fatores como acesso à educação, saúde e empregos formais (com carteira assinada).
Segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), aproximadamente 10% da população têm como renda familiar algo em torno de oito mil reais por mês. Os 90% restantes foram assim divididos: 50% da famílias ganham até mil e oitocentos reais por mês e 40% da população ganha entre mil e oitocentos e oito mil reais por mês. Dados que revelam a forte concentração de renda no país e também profundas desigualdades sociais. Nesse quadro, a busca por direitos à educação, saúde, trabalho e propriedade ainda deveriam ser fundamentais.
De acordo com uma pesquisa realizada pela UNESCO , a violência atinge muito mais os jovens de 15 a 24 anos do que pessoas das outras faixas etárias. A pesquisa mostra que, entre os jovens de 15 anos, 23% morrem de homicídios. Aos 17 anos, os jovens assassinados já são 35,3%. Até que a violência atinge seu máximo com os jovens de 20 anos: 37,1% deles morrem vítimas de homicídios.
Pesquisa divulgada pela delegacia de homicídios de Goiânia veiculada pelo jornal Diário da Manhã e Daqui revela que em Goiás as maiores vítimas da violência urbana são os jovens. Nesse sentido, um estudo de como as matérias sobre violência são tratadas pelos jornais impressos pode nos revelar algo sobre a representação da violência pela mídia.
Observando durante um mês os jornais impressos em circulação no Estado de Goiás três manchetes chamam a atenção, “Adolescentes na mira da morte”, texto veiculado pelo jornal Diário da Manhã, no caderno Cidades, no dia 16 de março de 2010, “Violência cresce 105% em Goiás”, texto veiculado pelo jornal O Popular, no caderno Cidades no dia 31 de março de 2010, e por fim a manchete “17 adolescentes assassinados”, matéria veiculada pelo Jornal Daqui, na seção Geral, no dia 16 de março de 2010.
A matéria “Adolescentes na mira da morte”, aponta que a polícia civil do Estado de Goiás registrou 15 mortes de jovens com idade até 18 anos, este ano o que representa 15,76% do total de crimes registrados no Estado. Segundo o jornal, o número percentual é maior do que todos os homicídios do ano passado, com vítimas da mesma faixa etária.
Ainda segundo o Diário da Manhã, em 2009, de um total de 355 assassinatos, 20 eram menores, o que representa 5,63% dos homicídios daquele ano. A matéria aponta que o envolvimento dos jovens com drogas é a principal causa da violência juvenil, “o tráfico de drogas é um dos potencializadores das mortes por assassinatos entre menores.” Em momento algum é mencionada a situação financeira dos jovens em questão ou mesmo as faltas de políticas públicas para a juventude e oportunidades para o primeiro emprego entre jovens da periferia.
O Jornal Daqui retoma as estatísticas veiculadas pelo Jornal Diário da Manhã e a seguir narra as mortes de dois jovens, que teriam ocorrido no final de semana, também fazendo a ligação das mortes com o uso de drogas ilícitas, um dos jovens é identificado na matéria como “Soldadinho”, em referência à hierarquia no tráfico de drogas.
Por fim, a reportagem do jornal O popular sobre o aumento da violência em Goiás traz uma descrição dos dados do Mapa da Violência – Anatomia dos homicídios no Brasil – 2010, elaborado pelo Instituto Sangari. Instituição não governamental que realiza pesquisas sobre violência no Brasil, desde o ano 2000. A análise descritiva das mortes em Goiás não traz nenhuma análise sobre condições de educação ou inserção no mercado de trabalho.
O único quadro que aparece na reportagem faz uma comparação entre o número de mortes nas guerras e aquelas ocorridas no Brasil. Segundo a pesquisa veiculada pelo jornal, “512,2 mil pessoas foram mortas no Brasil entre os anos de 1997 e 2007, o que ultrapassa o número de mortes em países em guerra, como a Chechênia, Guatemala e El salvador”.
Segundo o jornal, Goiânia, que em 1997 ocupava a 21ª posição no ranking das capitais com maior número de assassinatos, com uma taxa de 22,1 homicídios para cada grupo de 100 mil habitantes, em 2007 ocupava a 15ª posição entre as capitais brasileiras, com 34,6 mortes para cada grupo de 100 mil habitantes. Em relação ao total da população, a capital aparece em 2009 em 10º lugar, registrando um aumento de 89,8% no número de crimes de morte na década.
A matéria aponta também que, dos 5.564 municípios brasileiros, 300 tiveram os maiores aumentos nas taxas de assassinatos da década. Destes, dez ficam em Goiás. Maurilândia, que ocupa o 84º lugar no ranking, teria uma taxa de 57,9 de homicídios para cada grupo de 1 mil habitantes. As outras cidades goianas são Formosa, Luziânia, Flores de Goiás, Cidade Ocidental, São João d’Aliança, Valparaíso de Goiás, Abadia de Goiás, Teresina de Goiás e Novo Gama.
De acordo com a pesquisa veiculada pelo jornal, em Goiânia, houve um aumento de 160% no número de assassinatos de jovens entre 15 e 24 anos entre 1997, quando foram registradas 65 mortes pelo MS, e 2007, quando ocorreram 169 crimes de morte. Quando se fala em população com faixa etária entre 15 e 29 anos, Goiânia deixou o 24º lugar, com taxa de 33,1 para grupos de 100 mil habitantes em 1997, para a 17ª posição, em 2007, com 70,8.
Curiosamente, embora as matérias supracitadas não tragam nenhuma análise com viés econômico, ainda no mês de março, pesquisa da Unesco veiculada pelo jornal Estado de São Paulo revelou que Goiânia está entre as dez cidades mais desiguais do mundo, ficando atrás apenas das cidades da África do Sul. E é no Brasil a cidade onde se verifica maior desigualdade social. A frota de carros mais novos do Brasil e talvez entre as mais caras convive com um dos piores serviços de transporte público.
O relatório baseia suas conclusões no coeficiente Gini - cujos indicadores medem a concentração de renda de um país. Na avaliação do coordenador do relatório e diretor do Centro de Estudos e Monitoramentos das Cidades do Programa da Onu para os Assentamentos Humanos (Onu-Habitat), o mexicano Eduardo Lopez Moreno, existe vínculo direto entre desigualdade e criminalidade. Mais do que custos sociais, o abismo entre ricos e pobres também provoca prejuízos econômicos. "Estatisticamente, existe sim um vínculo. É muito possível que a cidade mais desigual gere muito mais facilmente distúrbios e problemas sociais. As autoridades desses países vão deslocar recursos que deveriam ir para investimentos para conter esses movimentos sociais. O custo social acaba se traduzindo em custo econômico", afirmou Moreno. (ESTADÃO, 2010, p. 01)

Considerações Finais

Diante deste quadro, entende-se que a violência é também fruto da não consolidação da cidadania, ou seja, da falta de oportunidades, ou da desigual chance de acesso dos jovens a educação formal e até mesmo uma consulta médica ou a um emprego formal. Ou seja, a busca pela cidadania seria então um objetivo real dos indivíduos de uma nação e esta se manifestaria nos inúmeros movimentos sociais e perpassaria a mídia, enquanto interface entre uma realidade específica e toda a sociedade.
No contexto apresentado, estudos sobre a recepção das informações da violência por jovens em conflito com a lei se tornam essenciais diante do inegável crescimento da criminalidade no Brasil. Isso porquê, muitas dessas estatísticas do conflito com a lei tem como protagonistas menores, seja como vítimas, seja como agentes. A necessidade existe, sobretudo, quando a espetacularização da violência, ao invés de despertar uma crítica, provoca a banalização e o crescimento do germe de um conformismo desencantado.
De um modo geral, pode-se dizer que o aumento da violência foi acompanhado, nesta década, não somente pela ênfase na cobertura de seus episódios, mas também por um intenso debate sobre o excesso da tematização da violência. No centro deste debate de mobilização nacional sobre o tema, estão as interpretações das cenas de uma violência real e cotidiana transmitidas pela mídia. Um dos problemas dessa transmissão e interpretação sem precedentes da violência urbana, é como jovens em conflito com a lei percebem tal construção que, quase sempre, emerge de forma difusa e desordenada e à qual estão sujeitos, especialmente, os habitantes das metrópoles.
A isso se alia a insatisfação quanto ao papel da mídia, que ao invés de denunciar os problemas estruturais, tais como o desemprego ou subemprego urbano, contribui para a manutenção do status quo quando sugere que a insegurança deve ser combatida com uma ação mais violenta de uma polícia cada vez mais armada. Sabe-se que a violência é fruto, também, de uma forte desigualdade social, que precisa ser combatida com reformas sociais de inclusão do indivíduo como cidadão , reformas essas, concebidas em longo prazo e quiçá a mudança do sistema econômico de exclusão vigente. Situação que deve ser exposta pela mídia, e não o é.

Referências Bibliográficas

ABRAMOVAY, Miriam Castro; Mary G. Caleidoscópio das violências nas escolas. Brasília: Missão Criança, 2006.


ARENDT, Hannah. Sobre violência. Rio de Janeiro: Relume-Dumara, 2001.


BENTES, I. Imagens. São Paulo: Editora Unicamp, n.2, 1994.


BONILLA, J. I. Violência, Médios y Comunicacion: otras pistas em la investigación. México: Editora Trillas, 1995.


BOURDIEU, P. O Poder Simbólico. Rio de janeiro: Bertrand Brasil, 2001.


CARVALHO, José Murilo de. Cidadania no Brasil. O longo Caminho. 3ª ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2002.


CHAUÍ, Marilena. Simulacro e Poder: uma análise da mídia. 1ª reimpressão. São Paulo: Editora Fundação perseu Abramo, 2007.


Dezessete adolescentes assassinados. Jornal Daqui, Goiânia 16 de marco. 2010. Caderno Geral, p. 6.


Goiânia é a cidade mais desigual do Brasil. Disponível em acesso em 20. mar 2010.


HABERMAS, Jürgen. Mudança estrutural da esfera pública: investigações quanto a uma categoria da sociedade burguesa. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2003.


Mapa da Violência: os Jovens do Brasil - 1998 a 2004 Disponivel em acesso em 05.jan 2010.


MEDEIROS, Magno. Violência na mídia, tecnorracionalismo e cidadania. In: Comunicação & Informação. Universidade Federal de Goiás, Faculdade de Comunicação e Biblioteconomia. Goiânia, v. 12, n. 1, Jan/jun. 2009.


MELO, R. Violência cresce 105% em Goiás.Jornal O popular, Goiânia 31 de março. 2010. Caderno Cidades, p. 13.


OLIVEIRA, F. Adolescentes na mira da morte. Jornal Diário da Manha, Goiânia, 16 de março. 2010. Caderno Cidades, p. 2.


SODRÉ, Muniz. Antropológica do espelho. Petrópolis: Vozes, 2006


TEMER, Ana Carolina Rocha Pessoa. As bases sociológicas nos estudos das Teorias da Comunicação. p. 271-298. Revista Comunicação: Veredas. Revista do Programa de pós-graduação da Universidade de marília- Unimar. Marília: Unimar. V. 4 n. 4, 2005. INSN. 16787536.


THOMPSON, John. Mídia e modernidade. Petrópolis: Vozes, 2001.



ZALUAR, Alba M. integração perversa: pobreza e tráfico de drogas. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2004.

sábado, 27 de março de 2010

Veiculação, vinculação e cognição na era global

Para Sodré a palavra comunicação recobre três campos semânticos, a veiculação, a vinculação e a cognição. A veiculação refere-se ao fato de que as informações veiculadas por certo meio de comunicação estão ligadas a determinadas idéias, refletidas na linha editorial, ao sistema organizacional e à determinada sociedade. Já a cognição é o modo como emissor e receptor apreendem uma informação.
Como argumenta Thompson com o advento da globalização e a transnacionalização das economias com trocas de informações e mercadorias em nível global, a comunicação passa a interferir de maneira mais forte na cognição, ou seja na maneira como os seres humanos percebem o mundo. A mídia torna-se num 4º lugar de vida, o bios midiático diante da tecnocultura, como expõe Sodré. O que tanto Sodré como Thompson apontam é que a mídia, interface entre uma realidade específica e a sociedade atua produzindo a percepção da realidade pós-moderna. A mídia torna-se o elemento constitutivo da identidade a do receptor com o mundo criado pela mídia. Processo que influencia na formação da cultura de diversos povos e como é uma interface entre a sociedade e os acontecimentos, elementos e processos sociais, é também responsável pela cidadania, ou seja pelo relacionamento dos cidadãos com o Estado. Conceito que para José Murilo de Carvalho só seria possível se a população tivesse acesso aos direitos civis, políticos e sociais.

sábado, 27 de fevereiro de 2010

A era da visibilidade- entre o simulacro e o lucro

No ano das eleições uma pequena reflexão sobre a mídia


O ano em que os brasileiros vão ás urnas escolher mais uma vez o destino político e social do país coincide com uma série de escândalos políticos. Isso se deve às transformações da política na era das comunicações de massa, apontadas por Wilson Gomes, em seu livro de mesmo nome. Com a globalização e o neoliberalismo uma série de mudanças afetou a mídia.
Assistiu-se ao surgimento de novas tecnologias e ao processo de desregulamentação da mídia que levou à formação dos grandes conglomerados de comunicação, monopólios interessados em lucro, refletido na briga pelas audiências. Neste contexto a interface entre a realidade e o receptor passou a ser mediada como espetáculo, justamente para conquistar as Audiências e consequentemente o lucro.
Como parte desta realidade política passou a ser mediada como espetáculo e nesse contexto, como destaca Gomes, a política passou a administrar a visibilidade, as aparências e também os escândalos. Isso pode ser explicado tendo em vista a teoria da Agenda ou Agenda Setting, segundo a qual, os elementos sociais visíveis por meio da mídia passam a fazer parte da agenda do público, pautando o cotidiano comunicacional das pessoas. “Quem é visto, é lembrado” conforme o ditado popular brasileiro.
A mídia tornou-se, como argumento Thompson, no livro A mídia e a modernidade, numa espécie de escrutíneo global, local de visibilidade e julgamento das ações e escândalos políticos.
Com a comercialização da mídia a esfera pública, entendida como espaço de crítica do Estado e das organizações sociais perdeu seu caráter crítico, como já observava Habermas em sua Mudança estrutural da esfera pública, o racional-crítico foi trocado pelas necessidades de consumo do espetáculo e hoje, como ressalta Wilson Gomes a agenda política está mais voltada para a administração das aparências e do espetáculo para conseguir a aprovação da sociedade civil e conquistar votos do que para a construção de projetos que viabilizem a consolidação da cidadania no Brasil.

quarta-feira, 24 de fevereiro de 2010

A crise do paradigma da sociedade de massa

Em seu livro Teorias das Comunicações de Massa, Mauro Wolf expõe grande parte das teorias que tentaram e tentam explicar a intervenção da mídia, desde a modernidade, nos processos de sociabilidade.
Tanto a teoria funcionalista ou corrente de estudos funcionalista, a conhecida pesquisa administrativa americana, como o seu antídoto a teoria Crítica alemã e diversas outras abordagens tiveram como paradigma a sociedade de massa.
Segundo tal paradigma massa é tudo o que não avalia a si mesmo, nem no bem, nem no mal, mediante razões especiais, mas que se sente como todo mundo, e, no entanto, não se aflige por isso, ou melhor, sente-se à vontade ao se reconhecer idêntica aos outros. Ou seja, os seus teóricos buscaram afirmar com seus estudos que os efeitos da mídia são fortes e dominadores, indivíduos atomizados, alienados, presos no seu isolamento ou então ilhados no seu silêncio.
Tem-se de um lado, a imperante organização social (Escola de Frankfurt) e de outro, os indivíduos moldados por tais organizações (Teoria Funcionalista e depois teoria Hipodérmica). O que será mais ressaltado na dependência do indivíduo ou homem massa será sua subjetividade, totalmente forjada pelas novas modalidades sociais. Tudo isso tomando empresaradas análises sociológicas, psicológicas e até psicanalíticas para explicar a interface mídia e sociedade.
Não desconsiderando o fato de que durante toda a história das teorias da comunicação muitos estudiosos tentaram e até propuseram abordagens que contradizem o paradigma da sociedade de massa, como o modelo interacionista desenvolvido nas últimas décadas na América Latina, os Cultural Studies, na Inglaterra, entre outros.
Na atualidade como bem argumentam os Mattelart em seu livro: Pensar as mídias a comunicação estudada sob o paradigma da sociedade de massa entrou em crise. Se de um lado, a pertinência sociológica da teoria Crítica descuida dos problemas de comunicação enfatizando a relevância das estruturas organizacionais e os processos sociais. De outro lado, o interesse exclusivo da Corrente norte-americana pelos processos de comunicação negligencia a relação mídia/sociedade e enfatiza a centralidade dos dispositivos de comunicação.
Como bem refletem os Mattelart com os anos de estudo e a percepção das falhas de cada teoria, para compreender a influência da mídia nos processos sociais, que o paradigma de massa com a onipotência da mídia e a luta de classe não resolve tudo. Nem contém tudo. Junto à estas problemáticas há outros interesses. E nesse sentido, ressalta-se a importância das pesquisas em comunicação na América Latina, sobretudo na incorporação do receptor como pólo gravitante, ao que se reconhece por um fim, uma espécie de liberdade de leitura de mensagens que consome, uma possibilidade de apropriar-se destes produtos.
E, cabe a nós ressaltar que apesar dos avanços, as pesquisas em comunicação tornam-se cada vez mais imprescindíveis, uma vez que a mídia ocupa cada vez mais espaço no cotidiano dos indivíduos, numa espécie de quarto bios midiático tão propalado por Muniz Sodré. Mas, sem esquecer do velho provérbio de Tomás de Aquino: “A vida transborda o conceito”.

quinta-feira, 7 de janeiro de 2010

Realidade virtual- a mídia como simulacro do real

Estudando o livro Antropológica do Espelho, de Muniz Sodré um assunto em especial me chamou a atenção, a mídia como simulacro do real. Isso porquê, o autor destina um capítulo, precisamente o de número III para falar do virtus como metáfora, falando justamente sobre um assunto que eu sempre pensei.
Quando fazia ensino fundamental uma professora disse: “as pessoas comem o seu arroizinho branco assistindo televisão e sentem como se comessem filé”. E eu sempre pensei que assistir televisão é como estar fora de casa. O mesmo que o autor Paulo Coelho descreve sobre as conversas telefônicas. Para o autor ao falar ao telefone as pessoas agem como se estivessem em um transe. Estão em um lugar, mas pensam estar em outro.
Muniz Sodré em sua análise busca na ética e, sobretudo, no pensamento filosófico as bases para explicar que a mídia é muitas vezes entendida como simulacro do real. Ou seja, as pessoas tomam o falso pelo verdadeiro, principalmente no que se refere às necessidades de consumo.
Em um dos trechos de sua argumentação Sodré cita o francês Giorgio Agamben que explana, “o espetáculo é pura forma de separação: aí onde o mundo real transformou-se em imagem e onde as imagens tornam-se reais, a potência prática do homem destaca-se dela mesma e apresenta-se como um mundo em si. É na figura desse mundo separado e organizado pela mídia, que as formas Estado e da economia se interpenetram, que a economia mercantil chega a um estado de soberania absoluta e irresponsável sobre a vida social inteira”.
Sodré completa “nessa reflexão particular, mercadoria e sensação (a que visa todo espetáculo) equivalem-se tanto em termos de produção como de consumo, o que termina por fazer do espetáculo a forma acabada da mercadoria”.
E a grande problematização nesse ponto é que o espetáculo é consumido como parte da realidade. O indivíduo consome a mídia como mais uma mercadoria. A mídia por sua vez, serve exatamente aos propósitos do capital que precisa vender cada vez mais para manter os níveis de acumulação, que hoje são mais do que nunca tido por flexíveis e globalizados.
Tomar o simulacro pelo real é assunto bastante difundido na intelectualidade. Vários cientistas sociais, tais como Karl Marx denunciaram ainda nos idos de 1800 uma ideologia do capital. Dentro dessas realidades obscurecidas pelo capital podemos citar que o capitalista/empresário lucra sempre por meio de capital humano e não pelos adventos da tecnologia. Na atualidade, a ideologia do capital toma um aspecto ainda mais irreal porque invade as consciências.
Uma forma de desvendar a realidade ou ao menos fornecer ao indivíduo a capacidade para analisar os diversos simulacros continua sendo a educação, fortemente defendida por Sodré. Educar é, sobretudo, comunicar. Isso porquê, uma das faculdades imprescindíveis para o estudo é a comunicação entre professor e aluno. Não há possibilidade de educar sem perceber a importância das diversas mídias na formação dos indivíduos. Cabe à escola o trabalho de desmonte da realidade virtual. Mas, o dever de educar continua sendo de todos. Como diz um ditado popular, “um índio é educado por todos da aldeia” e esse educação passa necessariamente pela mídia.

quarta-feira, 6 de janeiro de 2010

A espetacularização da notícia

Os fatos podem ser transformados, ou a verdade factual é irreversível

Muitos autores afirmam que o fato não pode ser modificado, se o for, transforma-se em ficcção. No entanto, assistindo televisão e observando a forma como os jornalistas produzem a notícia. Principalmente nos telejornais, observa-se que a maneira como se conta um acontecimento pode influenciar no que o receptor pensa ao receber a notícia.
Não podemos esquecer que toda essa encenação para transmitir a notícia tem o objetivo comercial. Vender a notícia passa necessariamente por torná-la atraente e de fácil interpretação, com muitas repetições de falas e imagens. E quando algo dá ibope, ou seja, quando vende, todas as mídias espetacularizam o fato. É o interesse do público?
Mas, o que é espetáculo, senão uma encenação, uma maneira de contar uma história de forma a deixá-la atrativa. Quanto mais atrativa, mais desejada e mais vendável. Eis um dos por quês do espetáculo. A necessidade de vender. Quanto mais espetacular mais vendável.
Laurindo Leal Filho em seu texto “As raízes da espetacularização da notícia” publicado no sítio Observatório da Imprensa expõe que a espetacularização pode ser fruto de uma combinação de fatores, sendo de um lado as necessidades comerciais e de outro o entretenimento que o pública busca na televisão. Enquanto as emissoras buscam o lucro para se manter e por isso a realidade da publicidade, o receptor busca saber sobre o mundo enquanto se diverte ou sendo mais cruel, se entreter enquanto se informa.
Vários são os atuais truques da mídia para tornar um fato atrativo. Entre eles, o uso de gravações feitas por câmeras de segurança. No programa Domingo Espetacular da TV Record é raro um noticiário sem a presença de imagens captadas por câmeras não jornalísticas. O que desperta também duas análises, por um lado a democratização do jornalismo, que muitos chamam de Repórter Cidadão e por outro o uso de imagens não autorizadas.
No ano de 2009 vários são os casos em que imagens de câmeras não vinculadas ao jornalismo profissional foram usadas para a composição de notícias. Tem-se o caso do desvio de verba pública por integrantes do governo de Brasília e o caso da estudante de Turismo que foi verbalmente agredida por mais de 700 estudantes por usar um vestido curto na Universidade.
Em ambos os casos, a mídia utilizou-se de imagens cedidas por câmeras não profissionais. Em Brasília, um dos envolvidos no esquema de corrupção, não satisfeito com a repartição dos recursos usou uma câmera escondida para revelar o esquema. No caso da Universidade foram cenas feitas com a tecnologia de aparelhos celulares.
São situações sem dúvida relevantes para a comunidade. Tanto a corrupção como o repúdio a uma mulher, supostamente por conta de um vestido, em pleno século XXI, chamam a atenção e de certa forma renderiam audiência naturalmente.
Porém, a mídia tratou de espetacularizar a notícia. Repartir e repetir várias vezes análises e trechos das mesmas notícias. Chamar à cena os supostos especialistas como psicólogos e cientistas sociais para dar credibilidade e respaldo ao que falam os jornalistas. E nessa onda vão todas as mídias de revistas semanais a revistas femininas passando por aquelas que exploram a nudez. E qual a análise da participação da estudante da Uniban no carnaval do Rio de Janeiro?
Certamente o elo consumo e comunicação na era da acumulação flexível explicam em parte o poder e a necessidade da espetacularização. Mas o certo é que a economia precisa da comunicação para fazer circular mercadorias e a comunicação precisa vender espaços publicitários para manter as empresas jornalísticas. A espetacularização garante socialmente o consumo e ainda a transmissão de determinadas informações.