quinta-feira, 12 de novembro de 2009

Consumo e cidadania

A mídia e a influência do consumo na consolidação da cidadania no Brasil

Entende-se por cidadania a forma de participação de um indivíduo na sociedade. Conceito que para José Murilo de Carvalho (2001) seria pleno desde que o indivíduo tivesse acesso aos direitos civis, políticos e sociais. Entre as garantias, encontramos nos direitos civis a liberdade, nos direitos políticos o poder de escolher representantes, e entre os direitos sociais fatores como acesso à educação e à saúde.
Segundo a professora Maria Célia Paoli (1989) a construção da cidadania no Brasil tem entre suas condições essenciais e fundantes a necessidade de constituição de um domínio público. Uma condição que necessita efetivar-se numa sociedade em que após mais de um século de republicanismo e industrialização, entra no mundo contemporâneo com uma modernidade incompleta e na qual há uma indistinção entre o público e o privado, uma incapacidade para fazer valer a igualdade jurídica formal, uma forte hierarquia de privilégios e lugares sociais, uma mescla indistinguível entre o arbítrio e a transgressão, uma violência espantosa para impedir a reinvenção coletiva e, talvez, o que mais impressiona, uma conexão aparentemente pouco necessária entre as capacidades coletivas de julgar, querer e agir nos momentos fortes de expressão política.
Segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), aproximadamente 10% da população têm como renda familiar algo em torno de oito mil reais por mês. Os 90% restantes foram assim divididos: 50% das famílias ganham até mil e oitocentos reais por mês e 40% da população ganha entre mil e oitocentos e oito mil reais por mês (IBGE, 2009). Dados que revelam a forte concentração de renda no país e profundas desigualdades sociais. Nesse quadro, a busca por direitos à educação, saúde, trabalho ainda deveriam ser fundamentais.
A consolidação da cidadania seria então um objetivo real dos brasileiros e esta se manifestaria nos inúmeros movimentos sociais. No entanto, observa-se hoje que a mídia, interface entre uma realidade específica e toda a sociedade, colabora ou reforça um outro tipo de inclusão social, a do consumo. O gozo pleno dos direitos vem sendo substituído pelo acesso aos bens de consumo, no que se pode caracterizar, conforme Boaventura Santos (2002) de cidadania do terceiro milênio que substitui carteiras de identidades por cartões de crédito.
Em agosto do ano 2000 um grupo de cento e cinqüenta moradores de favelas, desempregados e trabalhadores sem-teto organizados escolheram o Shopping Rio Sul, na Zona sul da cidade do Rio de Janeiro, como local de um protesto. Em julho de 2009 um shopping de Curitiba foi também ocupado por militantes sem teto. Nesses dois episódios, nota-se uma luta pelo direito ao consumo. Não há um projeto político alternativo, a ideia é inserir-se no modelo existente. Como se o consumo fosse uma forma de participação do indivíduo na sociedade.
O objetivo do grupo era a aceitação social. Por meio do consumo desejavam obter seu reconhecimento enquanto cidadãos. Integrando a realidade social e simbólica representada pelos estabelecimentos comerciais visitados e apresentada a todos pela mídia como natural e desejável.
Nota-se, portanto, que a cidadania está se dando cada vez mais sob o espectro do consumo. Como bem argumenta Boaventura Santos (2002) o homem da atualidade não possui como principal órgão de identificação a carteira de identidade. O cidadão cosmopolita tem no cartão de crédito sua identidade enquanto membro de uma dada sociedade. A cidadania do período contemporâneo está marcada pelas possibilidades de consumo.
Assim sendo, o exercício da cidadania passaria então para o que o indivíduo consegue comprar, numa lógica do “cidadão cartão de crédito”. Na chamada cidadania do terceiro milênio o poder de compra e o possuir passam a substituir os ideais do ser e formalizar a participação do indivíduo na sociedade, que antes deveria ser exercida por meio dos direitos políticos, civis e sociais, com a consolidação da cidadania.
As novas formas de cidadania expressam também a falta de um projeto político. A crença na ideologia do consumo pode ser apontada como a quase ausência de projetos coletivos na atual sociedade urbana brasileira e contemporânea. Nesta realidade, ao invés das pessoas preocuparem-se em reivindicar seus direitos de cidadania, elas passaram a lutar pela posse de objetos que acreditam facilitar sua inclusão social. Não podemos deixar de assinalar que isso não é um processo natural, mas forjado pela mídia como conformação do campo simbólico.


Este artigo é parte das apresentações feitas durante a IV Feira de Comunicação e Informação (Feicom) outubro de 2009, UFG e durante o III Encontro de Comunicação e Cidadania, novembro de 2009, PUC-Go.

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