segunda-feira, 3 de outubro de 2011

Telejornalismo: entre a audiência e a cidadania


“Historicamente, o direito à comunicação corresponde ao passaporte da cidadania, ao instrumento que viabiliza a integração de cada indivíduo à sua comunidade” (MARQUES DE MELO, 1984, p.98). No Brasil, fatores históricos e estruturais possibilitaram que grandes grupos de emissoras de televisão comercias, cuja propriedade está centralizada em algumas famílias, alcançassem o status de principal – e, em alguns casos, única - via de acesso á informação para grande parte da população. Essa informação chega principalmente pelos telejornais, gênero mais importante em matéria de noticiário.
A mídia funciona na contemporaneidade como instrumento regulador da experiência pública ou privada: a gestão da experiência cotidiana contemporânea está intrinsecamente ligada às representações da mídia, especialmente da televisão. Os telejornais constituem-se, portanto, como uma nova praça pública, um espaço público “mediador de significados sociais e culturais em circulação.” (MOTA In VIZEU, 2005, p. 131).
Consequentemente, os telejornais são espaços privilegiados nos quais a sociedade brasileira se informa e, de maneira transversal, vê e compreende a sua dinâmica social e política. Para boa parte da população brasileira o que é importante para o país (e também para o mundo) está no telejornal, e o que nele não está representado, seja o assunto esporte, a política, as ações policiais ou questões ligadas a cidadania, não é significativo, não tem importância.
De fato, o modelo de televisão que se implantou no Brasil exerce uma marcante influência no imaginário social, eventualmente sobrepondo-se a um plano real marcado por rupturas e desigualdades sociais (BUCCI, 1996, p.13). Assim como outros meios de comunicação, a televisão ocupa um espaço de mediação entre a realidade e as pessoas.
O telejornalismo especificamente, que se apresenta como “uma exposição da realidade”, faz certamente parte da pauta para debates interpessoais e sociais. Sobretudo, o telejornalismo fornece os elementos básicos por meio dos quais o indivíduo elabora a sua realidade, uma vez que “o sistema de informações impõe-se contemporaneamente como o lugar central de produção do real do Ocidente moderno. A Informação é um modo de organizar o espaço contemporâneo” (SODRÉ, 1992, p.22).
No entanto, o telejornalismo não é um produto neutro. Embora a noção de “espelho da realidade” esteja imbricada da concepção do jornalismo, aspectos relativos a propriedade comercial das mídias e das rotinas de produção do material jornalísticos demonstram com clareza, que embora o telejornal tenha como base a realidade, ou a veiculação de fatos reais, a transformação desses fatos em matérias jornalísticas gera distorções. Os limites da representação do real impostos ao telejornal começam pelo fato dele ser um produto vendido a dois públicos diferentes: um público genérico, que assiste o telejornal em suas casas ou locais diversos – o telespectador, e outro público diferenciado, que atua como financiador das produções televisivas - o anunciante (MARCONDES FILHO 2000, p.116). Atingir ao telespectador, “vender” para este público o produto telejornal, é em princípio a estratégia principal dos diretores e editores de televisão. É esse público conquistado, a audiência, que garante a adesão do segundo público, o anunciante. De fato, todo o investimento do anunciante é feito em função do público potencial do telejornal: mais do que o intervalo comercial medido em minutos e segundos, o anunciante “compra” a possibilidade de atenção do público. No entanto, ao investir na “atenção” do telespectador o anunciante é também um comprador exigente, que imediatamente se afasta de programas que julgue comprometer sua credibilidade ou faça ataques diretos ou indiretos que de qualquer forma afetem a sua imagem.
Para conquistar o telespectador, a televisão estrutura-se com base na carga emocional, dando destaque a fatos que digam respeito a rupturas ou transgressões sociais. A partir dessa escolha são elaboradas as “pautas” jornalísticas, ponto de partida para a elaboração das matérias jornalísticas. Para cada fase desse processo, ou seja, entre a elaboração da pauta e a matéria jornalística efetivamente veiculada, são produzidas “representações” significativas dos acontecimentos. Cada uma dessas fases, igualmente, é re-elaborada a partir de regras do mundo simbólico da televisão e do jornalismo, nas quais a violência, o crime, a corrupção, ganham destaque, não pela importância em si, mas pela carga emocional potencial que carregam.
É necessário acrescentar, no entanto, que o receptor comum que assiste a produção telejornalística diária, não percebe essa contradição. De fato, boa parte da vida dos indivíduos é determinada pelo que ele vê na televisão, na medida em que ela oferece as informações que ajudam a construir a imagem do mundo em que vive. Este indivíduo, de forma consciente ou não, absorve através do telejornalismo as informações que “delimitam” o seu mundo, que dizem de que forma deve ocorrer sua interação com o Estado e com a sociedade, ou ainda, quais são as condições dadas para a sua sobrevivência física, social e cultural – para o exercício da sua cidadania.
Para Eugênio Bucci, o espaço público no Brasil começa e termina nos limites postos pela televisão. O que não é noticiado na televisão não faz parte do espaço público. Neste sentido a vida privada brasileira é mantida pelo que a TV oferece.
Ela não determina o que cada um vai fazer ou vai pensar, não há um cérebro maquiavélico por trás de cada emissora procurando doutrinar a massa acrítica (...); a massa de telespectadores não obedece irrefletidamente o que vê na tela; o que acontece é que a televisão se apresenta com mecanismos necessários para integrar expectativas diversas e dispersas, os desejos e as insatisfações difusas, conseguem incorporar novidades que se apresentem originalmente fora do espaço que ela ocupa e, em sua dinâmica, vai dando contornos do grande conjunto, com um tratamento universalizante das tensões. (BUCCI, 1996, p. 11).
Ainda que para alguns autores radicais afirmem que televisão é incapaz de colaborar na construção da cidadania, é impossível negar que ela dá “os limites desta cidadania”, na mesma medida em que é uma influência importante na construção da imagem que o indivíduo tem do Estado e da sociedade na qual está efetivamente, e dos seus direitos e deveres.
Canclini afirma que “os meios de comunicação substituíram partidos, sindicatos, intelectuais” (1996, p. 50) e ainda que este trabalho não ofereça bases para citar todos os meios, é certo que de muitas maneiras a televisão brasileira serve aos poderosos e os propagandeia, além de, em muitos casos, estar a serviço daqueles que representam esse poder. Embora esse texto não tenha a pretensão avançar em estudos que comprovem ou não essa afirmação, é evidente que a televisão enquanto veículo tem uma poderosa influência na vida social e política dos seus receptores. Sobre esse ponto é igualmente importante destacar que no Brasil as relações da televisão e do telejornalismo com o poder econômico e com o Estado é particularmente evidente
Ao longo desses quase cinqüenta anos de história da TV no Brasil, o Estado, por intermédio de diversos governos, influiu diretamente de diferentes maneiras nessa indústria. Deteve o poder de conceder e cancelar concessões de TV, mas nunca deixou de estimular as emissoras comerciais. Na década de 50 e 60, o poder público contribuiu para o crescimento da televisão mediante empréstimos concedidos por bancos públicos a emissoras privadas. Durante o regime militar os investimentos aumentaram na forma de instalação de infra-estrutura e divulgação de anúncios publicitários. (HAMBURGER, 1998, p.454)
Embora nem sempre o governo e suas ações cheguem às telas de forma convencional, a política e principalmente, os políticos (TEMER, 2002), são figuras constantes nos telejornais. A televisão transforma a política em espetáculo, dando espaço para os constantes escândalos sobre corrupção no governo, dando ênfase ao mau uso do dinheiro público, e outros aspectos que se sobrepõem e se confundem com o jornalismo policial ou assuntos ligados á polícia e a investigação policial.

Um comentário:

  1. Excelente texto, Núbia. O poder e fascínio que a tv exerce sobre o público, o telespectador, é também o clima de mistério e glamour que passa. O pior seria o que vc já disse: a sensação de que o que não sai na tv não existe ou não é importante, gerando tantas distorsões e visões de mundo fragmentadas...Quézia

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