segunda-feira, 21 de setembro de 2009

Consumo, comunicação e cidadania

A cidadania hoje é expressada por meio dos cartões de créditos e o ter toma o espaço do ser, num jogo em que a mídia é uma das peças fundamentais.

Consumo, comunicação e cidadania são conceitos que se encontram intrinsecamente ligados na atualidade. O consumo seja efetivo, ou um desejo de comprar ou obter um bem, é cada vez mais unificado pela mídia, que massifica as exposições de objetos ideais, tais como carros, celulares, aparelhos de ginástica, entre outros bens para todos os bolsos, sem falar nos bens simbólicos, filmes e telenovelas. Por outro lado, ter ou desejar um desses objetos é repassar para a sociedade um signo, um código, em outras palavras é pertencer a um grupo social, numa espécie de cidadania do terceiro milênio em que o cartão de crédito e o possuir passam a substituir os ideais do ser e formalizar a participação do indivíduo na sociedade, que antes seria exercida por meio, dos direitos políticos, civis e sociais, com a consolidação da cidadania.
Nestor Garcia Canclini[1] (1999) considerou o consumo como uma das dimensões do processo comunicacional, relacionando-o com práticas e apropriações culturais dos diversos sujeitos envolvidos neste sistema. O consumo faz parte das relações culturais. Não é um processo estanque, mas, provocado pela mídia e conformado pelas comunidades da qual o indivíduo participa.
Então as atividades de consumo seriam antes de tudo reflexos da cultura e num processo de retro alimentação formariam a cultura. Para Pierre Bourdieu[2] (1998) o espaço de produção de relações sociais objetivas, considerando as interações instituídas entre os atores envolvidos se daria num campo simbólico, em que possuir algo é emitir um signo e trocar informações, comunicar-se socialmente.
O consumo significa uma espécie de poder social. Uma vez que, os ricos cujo poder se baseia no dinheiro legitimariam sua dominação por meio da própria produção simbólica na mídia e também por meio do domínio político. O que é facilmente percebido quando assistimos televisão ou observamos as revistas e jornais diários as pessoas que são destaque nas colunas sociais, ou as personagens centrais são em quase todos os casos pessoas ou representações das classes sociais dominantes.
É claro que isto não é uma relação puramente mecanicista, mas que há uma influência circular da mídia nos desejos de consumo e na conformação de um novo tipo de reivindicação social que prefere ir ao shopping e comprar itens do que manifestar um ideal, ou um pensamento.
Ao contrário da análise proposta por muitos intelectuais inclusive Bourdieu, observa-se na verdade uma interação dialética entre os grupos dominantes e os subalternos. Ou seja, a imposição de um projeto de vida que provem das classes abastadas só ressoa na sociedade se houver um consentimento dos grupos empobrecidos. Daí surge a construção do chamado campo simbólico.
Nesse campo simbólico as pessoas de uma classe social menos favorecida costumam imitar as classes dominantes. E é no campo da imaginação, das criações onde as trocas de valores são estabelecidas.
Para Jean Baudrillard (1991)[3] viveríamos numa sociedade do consumo, em que as trocas de mercadorias envolveriam toda a sociedade e por sua vez, as satisfações pessoais seriam completamente traçadas por meio do que poderiam comprar.
Assim sendo, o exercício da cidadania passaria pelo que o indivíduo consegue comprar, numa lógica do cidadão cartão de crédito. Para se sentir parte da sociedade as pessoas desejam partilhar dos mesmos produtos simbólicos e materiais. E nisso vemos clara a participação da mídia, unificando os desejos de consumo, mostrando o que é o ideal aproximando a idéia de consumo da possibilidade da felicidade. No campo simbólico, o consumo atinge a todos, pois as classes médias e os trabalhadores mais pobres sofrem o mesmo tipo de pressão para que consumam. Ambos desejam ou necessitam desejar a participação neste mesmo sistema, independente de suas condições materiais.
O campo simbólico conforma um tipo de consumo alimentado pela mídia que acaba por refletir em formas de participação social, em uma cidadania deformada. É uma necessidade de participação social que se dá por meio do consumo. Independente da renda no campo simbólico todos desejam os mesmos bens de consumo como forma de inclusão social.
Consumir um carro de luxo muitas vezes acima de ser uma necessidade de conforto é um modo de se distinguir perante a sociedade e de sinalizar a qual grupo pertence. Assim, o consumo torna-se com apoio da mídia numa necessidade cultural.
O consumo é um modo de estar no mundo. O que o indivíduo consome forma toda uma rede de signos que se comunica com os outros seres numa rede. Pierre Bourdieu vai além, para o autor o simples desejo de consumir, o sonho de possuir um determinado objeto, produz intensas sensações que o povoam o simbólico contemporâneo.
A crença na ideologia do consumo pode ser apontada como a quase ausência de projetos coletivos na atual sociedade urbana brasileira. Nesta realidade, ao invés das pessoas preocuparem-se em reivindicar seus direitos de cidadania, elas passaram a lutar pela posse de objetos que as tornam inseridas socialmente. Não podemos deixar de assinalar que isso não é um processo natural, mas forjado pela mídia como conformação do campo simbólico.

[1] CANCLINI, Nestor García. Consumidores e cidadãos. Rio de Janeiro: UFRJ, 1999.
[2] BORDIEU, Pierre. O poder simbólico. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1998.
[3] BAUDRILLARD, Jean. A sociedade de consumo. Lisboa: Edições 70, 1991.